23 out 2020
Amazônia Feminina

Cleusa e o trato com as pessoas para ser feliz com “pouco” no interior de MT

Autor: Assessoria de Imprensa

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“Todo lugar que me cabe, cabe minhas filhas”, diz Cleusa Aparecida de Andrade. A elas, a agricultora do interior de Mato Grosso ensina a colocar em primeiro lugar, para ser feliz, o tratamento com as pessoas ao redor, não as conquistas materiais, certificados, diplomas ou mesmo trabalho.

Mãe jovem, Cleusa nunca deixou de lado Jaqueline, hoje com 25 anos, nas chácaras por onde passou e trabalhou. Manteve ela e a filha Janaína, de 19 anos, por perto. Além dos cuidados de mãe, as ensinava no cotidiano o que fazia para ganhar a vida. Se o empregador(a) não aceitasse a presença das duas, não aceitava o trabalho.

Cleusa é do Paraná, mas foi junto da família para Rondônia com apenas 13 anos. Foi quando conheceu a Amazônia e tudo o que dá no bioma – suas frutas, espécies, o calor. Se tornou amazônida por vivência.

Como a maior parte dos agricultores familiares em território brasileiro, as habilidades que aprendeu eram diversas. “Trabalhava na roça, colhia na safra de café e meu marido também mexia com gado”, conta.

Trocou o estado quando tinha 35 anos de idade, há quinze anos. Foi em Mato Grosso, como muitas das famílias de fora que hoje ocupam a região norte do estado, onde vislumbrou com seu marido a possibilidade de comprar o próprio terreno.

Saíram da casa do sogro no estado vizinho para tentar a vida em Cotriguaçu, município rural mato-grossense onde a terra era fértil e os preços, bons. “A gente tinha uma casinha lá, mas o lugar não era nosso mesmo, por isso quisemos sair”, diz.

Para ter o próprio pedaço de terra, começou do zero. “Parei as vendas que tinha, então não tinha encomenda para as coisas que fazia”, relembra. Dentre essas, duas eram as principais: doces e o artesanato, do qual crochê é sua especialidade.

As pessoas como caminho

Para a volta das vendas, afirma Cleusa, foi preciso “tomar conhecimento das pessoas” aos poucos. O contato, o respeito dado aos outros e as amizades advindas dessa prática é o que considera o mais importante em sua trajetória de vida e responsável por suas conquistas.

No novo lugar, a situação financeira começou a melhorar em 2011, quando uma amiga a convidou para uma feira cultural na cidade, onde passou a vender as peças de crochê. Depois, em uma feira numa escola. “Aí começou a aparecer encomenda e desde então não faltou mais”, conta.

A mesma amiga que a convidou para integrar o Grupo de Mulheres da Esperança, uma formação de seis mulheres que integram a Associação de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Comunitário de Nova Esperança, localizado no Projeto de Assentamento (PA) Nova Cotriguaçu, onde mora. Até hoje lembra o exato dia que ingressou no grupo: 4 de março.

O grupo é um dos assessorados pelo projeto Redes Socioprodutivas, implementado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) com recursos do Fundo Amazônia/BNDES que apoia empreendimentos comunitários nas cadeias produtivas de hortifrutigranjeiros, pecuária leiteira, café, castanha-do-Brasil, cacau e babaçu com métodos de produção sustentáveis e economicamente viáveis na região norte e noroeste do estado.

É também um dos três grupos de mulheres do assentamento, localizado em uma região onde a formação de organizações comunitárias é um caminho na busca por alternativas economicamente viáveis de manejo sustentável de recursos naturais.

Juntas, as mulheres participaram de inúmeros cursos, trocaram conhecimentos dos diversos lugares de onde vieram e viajaram para conhecer outros.

Ser mulher e resistir na Amazônia

As saídas, afirma Cleusa, abriram sua visão e a encheram de esperança em relação às possibilidades de viver dos produtos da terra. Em São Félix do Xingu, em 2018, viu outras mulheres produzindo e comercializando o cacau manejado de forma sustentável e economicamente viável.

“Cada viagem a gente aprende muitas coisas com os outros. Elas servem pra gente levar a nossa própria vida pra frente”, afirma.

Já produzia doces e artesanato antes de chegar no estado, mas desde a união entre as mulheres e o contato com as pessoas ao seu redor, foi aprimorando o que sabia.

“Hoje trabalho com cacau do jeito que a pessoa pedir”, diz.

Sua filha, ao lado, completa: “São várias as formas”, e Cleusa lista: em pó, em nibs, em doce mole, em pedaço, com leite, puro, com muito açúcar, com pouco, com açúcar de mascavo, com açúcar cristal.

Clique no parágrafo abaixo (aperte a tecla de espaço, se necessário) para ouvir Cleusa:

Ensina diariamente, suas filhas e sua primeira neta, Júlia, o que aprendeu com a mãe sobre trabalho e encontrar contentamento no mundo sendo mulher.

Benedita Ferreira, técnica do ICV, afirma que a perseverança pauta a trajetória das mulheres do grupo de Mulheres Esperança.

“O que mais me chama a atenção entre essas mulheres é a persistência, de manter o grupo, de acreditar que aquilo que elas estão trabalhando é uma forma de renda pra elas, então perseveram e buscam a melhoria contínua”, diz.

Atualmente, a cozinha do grupo das mulheres está desativada e em reforma com apoio do projeto Redes Socioprodutivas. Por enquanto, a confecção dos doces é feita de forma individualizada: cada uma em sua cozinha.

Benedita afirma que são muitos os desafios de gestão do grupo de Mulheres Esperança, mas maiores ainda são as oportunidades à frente. “Quando a gente fala do nibs, falamos de um mercado de alimentação saudável, do consumo de chocolate sem açúcar, por exemplo. É um diferencial ser esse produto natural, feito por mulheres”, diz.

“O mercado orgânico é crescente e amplo e elas podem conquistar”, complementa Jessé Lopes Carvalho, técnico do ICV e um dos assessores do grupo. Com a reforma e o ajuste nas documentações, Jessé também enxerga boas possibilidades na inserção de mercados institucionais e acesso a políticas públicas de fomento à produção local.

A procura por melhorias na qualidade de vida por meio da alimentação e dos espaços, além de simbolizar uma oportunidade econômica, também perpassam pela vida de Cleusa.

Uma das suas maiores conquistas é quase não precisar ir ao mercado – o que come, planta. “Tem laranjeira, vem uma abóbora, algumas hortaliças, não é muita coisa, mas é tudo que preciso”, diz. Sua filha de 19 anos, ajudante no seu trabalho, constrói uma casa perto da sua: planeja ficar no lugar onde cresceu e fazer o que aprendeu com a mãe.

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