Março de 2021.
Luan Cândido, educador do Programa de Negócios Sociais do Instituto Centro de Vida (ICV) recebeu no Whatsapp fotos, vídeos e áudios emocionados de um casal de agricultores.
Diante das dificuldades impostas pela pandemia, Osvaldo e Roseli de Brito encontraram na colheita de bananas do sistema agroflorestal implantado na pequena propriedade em Paranaíta (MT) uma importante segurança à fonte de renda e qualidade de vida da família.
Luan é educador do Programa de Negócios Sociais do Instituto Centro de Vida (ICV), engenheiro agrônomo e neto de um dos principais colonizadores da região que sofreu intenso processo de ocupação e degradação ambiental entre as décadas de 1970 e 1980.
Hoje, assessora diretamente famílias de pequenos agricultores da região no cultivo de hortaliças e frutas por métodos de produção sustentáveis.
Anos antes disso, uma certeza se firmava no interior de Camila Horiye Rodrigues.
“Vou trabalhar com agricultura familiar, é isso que vou fazer da minha vida”.
Não foram palavras ditas em voz alta a ninguém, mas um insight de Camila, à época estudante de Engenharia Florestal em um chamado estágio de vivência num assentamento rural no interior do estado de São Paulo, distante milhares de quilômetros do norte de Mato Grosso.
Quando se formou, a vaga aberta em 2007 pelo Instituto Centro de Vida (ICV) para atuação em um assentamento de Feliz Natal veio na hora certa para cumprir sua vocação descoberta.
Nessa época, entre 2006 e 2007, o Instituto Centro de Vida começava a “pensar além” da conservação da floresta, trabalho fortemente desenvolvido com apoio da instituição na criação das unidades de conservação na região sob intensa pressão de desmatamento, história que já contamos nessa série.
Ações de conservação sonhadas, planejadas e executadas por Sérgio Guimarães, Laurent Micol, Walter Ariano e muitos outros que somavam ao longo do caminho.
Quem conta essa transformação é Renato Farias, atualmente diretor-executivo do ICV.
“Era uma atuação muito forte com as áreas protegidas. E nesse momento começava a debater também sobre os drivers do desmatamento, a falar de pecuária e soja”, conta.
Renato entrou para a instituição em 2009 e logo ouviu Camila falar, com preocupação e frequência, sobre o processo de marginalização que a agricultura familiar da região em meio ao desenvolvimento das commodities de grãos e carne na região.
“Ouvir aquilo de certa forma me encantou, mostrou como nosso papel no ICV também poderia ser aquele apoio. A agricultura familiar ainda estava à margem também da estrutura da instituição”, conta.
Apesar do ICV ter contato frequente com os pequenos produtores desde a chegada em Alta Floresta e a implementação do Programa “Fogo: Emergência Crônica”, a atuação direta com as atividades produtivas do interior ainda era secundária na instituição.
Passava a ampliar o leque de ações, sem deixar de lado o foco na conservação.
Em 2010, foi a organização da sociedade civil responsável por alavancar, com enfoque na regularização dos pequenos produtores, um processo que retirou o nome de Alta Floresta dos municípios mais desmatadores na Amazônia.
Mas a instituição passava a enxergar de uma perspectiva que incluía ações mais diversas e, de fato, efetivas.
Cada dia um pouco mais, os membros da instituição se convenciam de que falar e trabalhar com agricultura familiar e pecuária era inevitável para resultados cada vez mais satisfatórios na manutenção da floresta em pé.
MUNDO REAL DENTRO DA INSTITUIÇÃO
“Foi um susto institucional”, define Renato. “Afinal, somos uma instituição cuja origem é da luta, de uma militância.”
Os debates internos seguiam. O ICV realiza todo ano a chamada Semana Vida (anos depois rebatizada como Conexão Vida), um momento de integração e confraternização entre todos os membros da instituição.
“Tínhamos nesses momentos conversas complexas e por vezes, dolorosas, porque havia essa ideia de mundos antagônicos. Costumo dizer que é quando colocamos o mundo real dentro da instituição”, avalia o diretor.
Em 2011, foi aprovado com financiamento do Fundo Vale o que Renato classificou como “o maior projeto que poderíamos ter com os mais diversos grupos”.
O projeto Cotriguaçu Sempre Verde era ancorado em cinco grandes componentes diversos: estruturação da gestão ambiental municipal, programa de desenvolvimento do bom manejo florestal (Prodemflor), programa de boas práticas agropecuárias, apoio à governança sobre os recursos naturais nos assentamentos e plano de gestão territorial em Terras Indígenas.
Um dos grandes aprendizados foram obtidos em vivências realizadas pelo projeto.
“Quem trabalhava com agricultura familiar ia passar uma experiência com a pecuária, e vice-versa”, relembra Renato.
“No fim, todo mundo percebeu que todo mundo só quer ser feliz”, conta ao se referir aos conflitos por vezes causados pela parca compreensão de outras realidades.
Foi o “embrião” do projeto Redes Socioprodutivas e fortalecimento do Novo Campo, dois dos maiores projetos do ICV.
NOVO CAMPO E REDES SOCIOPRODUTIVAS
Em 2016, a rede de fast-food McDonalds anunciava a primeira compra de carne produzida com métodos comprovadamente sustentáveis de duas fazendas de Alta Floresta (MT), após anos de uma política de “não compra” de carne proveniente da Amazônia, fortemente associada com desmatamento ilegal do bioma.
A aquisição foi feita após articulação do Programa Novo Campo, projeto do Instituto Centro de Vida (ICV) pioneiro em garantir no bioma a conformidade da produção pecuária com a legislação ambiental.
O resultado veio após reconhecimento do ICV pelo o que acontecia de fato em campo, além do papel e do anunciado pela empresa.
“Falavam que não compravam, mas compravam, e nós posicionamos questionando que o problema não é comprar, mas como e de quem comprar”, conta Renato.
Foi um programa piloto de promoção das boas práticas na pecuária bovina em 14 propriedades da região, onde foi testado um novo modelo produtivo de gestão integrada da propriedade com intervenções baseadas na aplicação das Boas Práticas Agropecuárias (BPAs) para Gado de Corte, da Embrapa, entidade parceira do programa.
Os resultados demonstraram a viabilidade desse modelo, com forte melhora na produtividade, lucratividade, qualidade da produção e sustentabilidade ambiental.
A experiência estabeleceu um padrão de pecuária que transformara a região, uma das principais áreas de pecuária na Amazônia e historicamente conhecida como uma das mais pressionadas por desmatamento no bioma.
“Foram criados critérios e compromissos mínimos que ajudaram a mudar o perfil da pecuária do município de Alta Floresta e região”, afirma.
Enquanto isso, a “duras penas”, o trabalho com a agricultura familiar se fortificava.
Baseado na experiência de Cotriguaçu, foi montado o Redes Socioprodutivas, projeto com financiamento do Fundo Amazônia/BNDES que visa fortalecer as cadeias de valor da agricultura familiar.
A experiência com a pecuária complementou a estruturação do projeto. Enquanto a cadeia da pecuária de corte é organizada e bem estruturada, as cadeias produtivas da agricultura familiar carecem de estrutura.
“Trabalhávamos muito da porteira pra dentro na agricultura familiar, e aspectos de toda a cadeia como a comercialização é uma questão importante para que haja resultados significativos”, diz.
Naquela época, Camila realizava seu mestrado no exterior.
Com apoio do ICV e do Instituto Ouro Verde (IOV), o tema foi uma pesquisa sobre a resiliência da agricultura familiar em nove municípios da região, experiência e resultados que compuseram um livro junto a outros pesquisadores(as), em vias de ser publicado.
“Vim apresentar os resultados e o ICV havia acabado de aprovar o projeto Redes Socioprodutivas”, relembra. Foi uma oportunidade de voltar.
Topou o desafio de coordenar o projeto, mas não encararia sozinha. Chamou Eduardo Darvin.
Faziam parte de um mesmo grupo de amigos de São Paulo que buscavam uma vivência alternativa à vida urbana e “voltar para a terra”. Eduardo se mudara para Alta Floresta nesta busca há alguns anos.
Os dois moram hoje na Comunidade Agroecológica Nossa Senhora de Guadalupe.
Os três passavam a debater e formular a reestruturação do Programa de Desenvolvimento Rural Comunitário, que hoje é o atual Programa de Negócios Sociais.
“Percebemos que sem colocar o fator econômico na jogada com a agricultura familiar, não seria possível implementar nenhuma alternativa de sustentabilidade real”, relembra Eduardo.
Biólogo de formação e que optara por não seguir a vida acadêmica após a realização do mestrado, Eduardo levou as experiências prévias com produção orgânica e agroflorestal para fortalecimento do trabalho da instituição.
Em 2019 foi criada, pelo projeto Redes, a Rede de Produção Orgânica Mato-grossense (Repoama), a primeira rede de certificação orgânica não indígena do estado.
“Foi crucial termos as pessoas certas na hora certa. E dentro de uma instituição que valoriza isso”, classifica Renato.
O Redes Socioprodutivas hoje apoia nas cadeias produtivas de castanha, babaçu, hortifrutigranjeiros, leite, cacau e café com apoio direto a associações e cooperativas de agricultores familiares de seis municípios da região norte e noroeste do estado.
Oferece assessoria técnica da produção à gestão e, além da Repoama, concebeu um projeto inovador no estado de apoio à logística e comercialização de produtos da agricultura familiar, a Rota Local.
A iniciativa implementada em 2020 é crucial para a manutenção da renda das famílias diante da crise sanitária, que historicamente sofrem com más condições de estrada e problemas de negociação pelo escasso acesso à internet.
O sucesso de resultados dos dois projetos (Novo Campo e Redes Socioprodutivas), afirma Renato, se deve também às pessoas envolvidas integrarem a realidade local.
“Vivemos este território e suas problemáticas”, afirma o diretor, cuja família paranaense foi uma entre as tantas que desembarcaram na região amazônica em busca de melhores condições de vida pela terra própria.
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