09 dez 2011
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A lógica do Código, de vamos privatizar os ganhos e socializar os custos, está errada, diz analista do ICV

Autor: Assessoria de comunicação

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– Daniela Torezzan / ICV

João Andrade, coordenador do Programa Governança Florestal do Instituto Centro de Vida (ICV) faz uma análise do processo envolvendo a reforma do Código Florestal brasileiro, aprovado no Senado, esta semana, por 59 votos favoráveis e apenas sete contrários. Andrade, que tem mestrado em economista ecológica, reconhece que era preciso uma revisão na lei, mas ressalta que o Brasil perdeu uma grande oportunidade de estabelecer um instrumento que balizasse um novo modelo de desenvolvimento pautado na valorização dos serviços ecossistêmicos. Segundo ele, as alterações feitas foram apenas acordos para beneficiar alguns setores produtivos em detrimento a uma política maior de gestão das florestas.

Daniela Torezzan: Como você avalia o processo de discussão e aprovação do Código Florestal?

João Andrade: Como mal conduzido. Primeiro porque a Câmara dos deputados atropelou as discussões. Tudo foi feito sem diálogo, sem ouvir de forma igual os envolvidos. E, no Senado, onde se esperava que os estudos científicos fossem considerados e onde tivesse mais tempo para se estabelecer uma discussão mais completa até se chegar a uma proposta que agradasse ambos os lados, isso também não aconteceu. O diálogo foi polarizado: a parte ruralista só dizia que o Brasil é importante para produção agrícola e as leis que protegem o meio ambiente, como o Código Florestal, só atrapalham isso. Mas, a gente precisa aumentar a produção sem expandir para novas áreas. O setor ruralista usou isso para influenciar o processo.

Daniela Torezzan: Porque a pauta ambiental não foi ouvida?

João Andrade: A questão ambiental é muito etérea. Como você consegue explicar para a população que proteger a floresta é mais importante do que aumentar a produção agrícola? Isso é muito difícil. Faltam instrumentos para essa sensibilização. Existem muitos teóricos, cientistas, pesquisadores falando nessa importância, mas o cidadão comum não consegue enxergar esses benefícios. Então, nosso papel é fazer essa transferência de informação. Se a gente consegue mostrar exemplos, como o fato de que se diminuírem as florestas em Mato Grosso isso vai influenciar as chuvas no sudeste, talvez a população se coloque mais dentro dessa discussão.

Daniela Torezzan: Porque isso não aconteceu? O que está errado?

João Andrade: A lógica que guiou a discussão do Código Florestal está errada: vamos privatizar os ganhos e socializar os custos. Não precisamos aumentar a produção em detrimento das florestas. Precisamos melhorar a forma como produzimos. Precisamos melhorar a forma como utilizamos os recursos naturais para fazer essa produção. Caos contrário, daqui pouco tempo não haverá mais produção. Não haverá mais condições para se produzir.

Daniela Torezzan: A reforma era necessária?

João Andrade: Sim. Mas o problema é que não foi feita nenhuma reforma. Foi feito um ajuste para beneficiar alguns setores produtivos que detém maior representatividade de poder econômico. Para ser considerada reforma, você precisaria de políticas que incentivassem a proteção das florestas e a proposta aprovada não faz isso. Ela foi feita apenas para atender um determinado setor que não representa a grande maioria.

Daniela Torezzan: Em relação ao que foi aprovado, quais são os principais pontos?

João Andrade: Pontos negativos existem vários. Por exemplo, se criou a possibilidade de compensação. Ou seja, fica isento de multa quem desmatou além do permitido até 2008 e com a possibilidade de compensar de três maneiras: pagando pela diferença de floresta que deveria ter mantido; comprando um pedaço de terra dentro de uma Unidade de Conservação que ainda não tenha sido totalmente desapropriada; ou permutando com alguém que tenha excedente de floresta.

Daniela Torezzan: Isso parece bastante complicado de se administrar, não? Quais os riscos envolvidos?

João Andrade: É complicado de se administrar, monitorar e fiscalizar e é muito ruim do ponto de vista da manutenção da biodiversidade. A Amazônia, por exemplo, tem vários sub-biomas dentro, com vegetação característica de cada local. Então, não adianta tentar compensar um desmatamento que ocorreu no norte de Mato Grosso, por exemplo, numa área no Amazonas, porque a floresta é diferente; de qualquer forma, há perdas. Em termos de reparação de danos ambientais isso não acontece.

Daniela Torezzan: Que outros pontos você destaca?

João Andrade: Os critérios para a recuperação das APPs [Áreas de Preservação Permanente] vão ser definidos pelos Estados o que é um risco porque são muito importantes, precisam de critérios bem definidos e específicos e isso pode sofrer influência dos setores econômicos mais fortes nos estados comprometendo a preservação.

A outra coisa que preocupa muito nessa linha da descentralização para os Estados é que os proprietários rurais terão um ano para aderir ao CAR [Cadastro Ambiental Rural], podendo se prorrogado por dois. O Estado tem uma capacidade limitada para fazer o registro e uma deficiência no monitoramento e acompanhamento desse processo. Então, essa demanda vai ser muito grande, fazendo com que o cadastro fique lento e o processo sem o devido acompanhamento. No caso de Mato Grosso, por exemplo, temos uma publicação [Transparência Florestal MT: Análises do desmatamento e da gestão florestal] que demonstra o quanto isso é arriscado: ter uma lei que não é aplicável.

Daniela Torezzan: O que esperar agora?

João Andrade: O desafio agora é não chorar o leite derramado. O que temos que nos preocupar é se a lei conseguirá se implantada, definir como será feito: como vai acontecer o CAR? Como será feita a compensação?

Daniela Torezzan: Você acredita num veto presidencial?

João Andrade: O que se sabe, pelo próprio Ministério do Meio Ambiente, é que foi uma proposta de consenso. Então, acho difícil haver qualquer mudança. Por isso, não esperamos grandes alterações nem na Câmara dos Deputados, onde a lei deverá passar por uma nova votação, nem na Presidência da República.

Daniela Torezzan: A imagem do Brasil no cenário internacional fica comprometida?

João Andrade: existe um ano terminando e um cenário de eventos acontecendo, como a COP 17 e a Rio+20, no ano que vem. E o governo tem uma carta na manga: a diminuição do desmatamento na Amazônia Legal, embora seja preciso ressaltar que, em Mato Grosso, o desmatamento está aumentando. Então, o governo está assumindo uma postura com o discurso de que o as metas de redução das emissões [de gases causadores do efeito estufa] provenientes do desmatamento, assumidas na COP 15, serão alcançadas. Entretanto, quando se tem uma lei que anistia desmatamento ilegal, isenta de recuperação as áreas degradadas, cria-se uma expectativa de que não haverá punição e isso é desastroso. E o novo Código está sinalizando um perdão para os que desmataram.

Daniela Torezzan: Com todo esse cenário, pode-se dizer que o futuro é nebuloso?

João Andrade: A esperança que existe é que o que foi definido em lei seja realmente cumprido. A desculpa era de que o Código Florestal estava velho, com uma série de emendas que traziam insegurança jurídica. Agora não há mais insegurança jurídica. Então, a lei precisa ser cumprida. É para isso que o ICV vai trabalhar.

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