– Priscila Viudes, Estação VidaLei mira diretamente a principal demanda do setor para entrar no sistema de licenciamento: a anistia as multas de quem busca a regularização. Mas há risco de o tiro sair pela culatra e se converter em novo incentivo ao desmatamento ilegal.
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A nova lei de regularização ambiental, sancionada e aprovada em agosto pela Assembléia Legislativa, será regulamentada até outubro pelo governador do Mato Grosso, Blairo Maggi. A Procuradoria do Estado ainda está trabalhando no texto do decreto, que é aguardado com ansiedade por ruralistas e ambientalistas. A lei mira diretamente a principal demanda do setor para entrar no sistema de licenciamento: a anistia as multas de quem busca a regularização. Mas há risco de o tiro sair pela culatra e se converter em novo incentivo ao desmatamento ilegal.
A partir da data de regulamentação, os produtores rurais terão o prazo de um ano para aderir ao Programa Mato-grossense de Legalização Ambiental – MT Legal e se cadastrarem no Cadastro Ambiental Rural – CAR. O programa estabelece duas etapas para o processo de regularização das cerca de 100 mil propriedades rurais do Estado: a primeira é a inserção no CAR, que deverá ser realizada espontaneamente pelos produtores rurais, e a segunda é o processo de obtenção da Licença Ambiental Única – LAU. O prazo para que os proprietários apresentem a localização da Reserva Legal, um dos quesitos mais importantes do licenciamento, varia de um a três anos, conforme o tamanho da propriedade rural.
O principal incentivo para que os produtores rurais efetivem voluntariamente o cadastro no Programa é a isenção de autuação. Dessa maneira, aqueles que já tiverem passivo ambiental não serão notificados caso se inscrevam no CAR e dêem prosseguimento à Licença Ambiental. “Para os produtores, a questão ambiental estava atrelada a uma série de medidas punitivas. Com esse cadastro, isso se torna diferente. Pela primeira vez vemos um programa que mostra o que deve ser feito, de maneira transparente”, afirma o consultor da Famato – Federação de Agricultores de Mato Grosso, Vicente Falcão.
No entanto, a adequação ambiental dos empreendimentos rurais de Mato Grosso precisa ser dinâmica, não só para a sustentabilidade, mas também para que o mercado não imprima sanções aos produtos oriundos do Estado. “A lei precisa funcionar agora, o governo precisa criar mecanismos para que todos estejam no cadastro daqui a um ano, quando deverão ser iniciados os processos de licenciamento ambiental”, disse Sérgio Guimarães, coordenador executivo do ICV – Instituto Centro de Vida. Apesar da adesão ser espontânea, Guimarães aponta que é necessário a realização de campanhas de notificação das propriedades irregulares como forma de motivar o cadastro no Programa MT Legal.
Contexto – Estima-se que menos de 20% das propriedades rurais do Estado estejam inseridas na base de dados da Sema – Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Devido ao grande número de passivos ambientais, muitos produtores não se sentem estimulados à regularização, já que o procedimento demanda investimentos vultosos para recuperar as áreas degradadas, e também porque seriam autuados por suas irregularidades ao darem início ao processo de obtenção da Licença Ambiental. Nas áreas de floresta, o problema é mais grave. Além da reserve legal ser maior, o passivo ambiental não pára de crescer.
Esse ano, Mato Grosso figurou no topo da lista de estados que mais desmataram no Brasil. Segundo dados do Boletim Transparência Ambiental, divulgado pelo ICV – Instituto Centro de Vida, os dados anuais do desmatamento têm diminuído nos últimos dois anos, entretanto, em média 85% do desmatamento registrado todos os meses é ilegal, realizado em propriedades rurais que não constavam no Simlam – Sistema Integrado de Licenciamento Ambiental de MT e em áreas de reserva legal de propriedades cadastradas.
O programa MT Legal pretende trazer para a legalidade produtores rurais que tenham um passado de degradação ambiental, além de estruturar uma base de dados que possibilite maior controle das ações pela Sema. Rodrigo Junqueira, do Instituto Socioambiental, que trabalha com projetos de recuperação de áreas degradadas na Bacia do Xingu, inclusive com médios e grandes proprietários, avalia a nova lei como uma ação positiva no cenário das políticas públicas do estado. “Não dá para negar que isso seja um avanço importante, é um começo diferente para a regularização ambiental. Não ter punição é um incentivo válido”.
Segundo o secretário-chefe da Casa Civil do Estado, Eumar Novacki, a pretensão é mudar o histórico de degradação ambiental do Estado. “Nós queremos que Mato Grosso não seja apenas o maior produtor de alimentos do país, mas que seja o melhor”. A expectativa do consultor da Famato Vicente Falcão é de que a nova lei irá recepcionar, de imediato, cerca de 50% das propriedades que têm demanda por regularização ambiental. “O restante pode demorar mais tempo por abranger processos que apresentam problemas de regularização fundiária”, avalia.
Desmatamentos recentes – A nova regra é bem vinda e pode colocar o estado em lugar de destaque na Amazônia Legal, como exemplo de regularidade ambiental. Entretanto, há um ponto no texto publicado em agosto pelo governo que causa apreensão no movimento ambientalista. O texto da lei aprovado pela Assembléia Legislativa não estabeleceu uma data limite para os desmatamentos realizados pelos proprietários que aderirem ao Programa MT Legal. Laurent Micol, coordenador adjunto do ICV, aponta que a suspensão da aplicação de multas é um aspecto delicado, pelo risco de haver desmatamentos recentes que possam ficar imunes.
“O espírito dessa lei é oferecer uma saída para quem quer se regularizar. E um incentivo, que é a desoneração de multas. O objetivo não é perdoar desmatamentos recentes, nem novos. Tirar a aplicação da multa é inaceitável e o ideal seria reeditar a lei para que desmatamentos recentes, realizados a partir de meados de 2005, não sejam isentados”.
O promotor de Justiça, Domingos Sávio de Barros Arruda, salienta que o Ministério Público vai exigir que os órgãos ambientais prossigam com o trabalho de fiscalização em desmatamentos recentes. “Como a lei não impede que isso ocorra, o órgão ambiental não ficará impedido de autuar, durante todo e qualquer tempo”.
O secretário-chefe da Casa Civil Eumar Novacki garante que o programa é destinado a atender passivos ambientais que datam até meados de 2005 e que o decreto de regulamentação tratará desse aspecto de forma bem definida. “Mesmo os produtores cadastrados no CAR que vierem a fazer desmatamentos sofrerão as sanções legais, o produtor se engana ao achar que não será punido por desmatamentos recentes. Além disso, o Estado poderá notificar as áreas degradadas”.
Com a regulamentação, a lei poderá sofrer certas adequações. Determinados aspectos devem ser definidos, como a questão dos proprietários rurais que já deram início ao processo de licenciamento ambiental e estariam dispensados do CAR, com a conseqüente não isenção das multas. “Mesmo quem já foi autuado aproveitará os benefícios da lei, como a agilidade do processo. Quanto à isenção da multa, a Famato vai lutar para que esse benefício seja estendido aos demais produtores que já procuraram se regularizar”, afirma Vicente Falcão.
De forma geral, a lei é mais um chamado que o poder público faz à classe produtora para regularizar-se ambientalmente. “O espírito da lei atende aos interesses ambientais. Espera-se que o órgão ambiental possa ter maior controle sobre as atividades desenvolvidas na zona rural”, afirma o promotor Domingos Sávio de Barros Arruda.
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