01 mar 2021
ICV 30 anos

Fogo, emergência crônica: o início da atuação do ICV no combate às queimadas

Autor: Assessoria de Imprensa

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“Fogo não se combate agora. É preciso pensar nele antes, é necessário planejar o ano”, foram algumas das palavras de Alice Thuault, atual diretora adjunta do ICV em uma entrevista para um dos principais podcasts do país no ano passado.

Enquanto proferia a frase, o Pantanal ardia em chamas há aproximadamente cinquenta dias e estampava manchetes mundo afora.

Era setembro e todo o país voltava a atenção às inquietantes imagens de árvores secas, carcaças de animais e depoimentos comoventes dos humanos cujos modos e meios de vida se desfaleceram em cinzas.

Tudo isso em meio a uma das maiores crises sanitárias já enfrentadas pelo país.

Um ano antes, 2019 havia chamado atenção para os números exorbitantes de focos de calor na Amazônia, o que ocupou a agenda de trabalho dos integrantes do ICV em análises e entrevistas para a imprensa.

Os convites e as menções ao ICV nos principais meios de comunicação nacionais nesse contexto é um fruto de uma expertise que começara a ser adquirida há muito tempo.

A relação do ICV com o combate às queimadas iniciou-se na chegada da instituição à Amazônia, pouco antes da virada do século.

Foi pelo primeiro grande projeto que a organização se envolveu: “Fogo – Emergência Crônica”, um programa financiado pela Embaixada da Itália de 1999 a 2003 em onze municípios da Amazônia. Entre eles, Alta Floresta.

Muito antes da chegada do novo coronavírus e da situação catastrófica no Pantanal, as populações amazônicas esperavam, ano após ano, o período em que a tosse e os índices de complicações respiratórias pela fumaça disparavam.

Era durante a seca, período de julho a setembro conhecido como “verão amazônico”.

O fogo era (e ainda é) comumente utilizado para a limpeza das pastagens após desmate para atividades agropecuárias.

Bastam algumas faíscas potencializadas pela falta de umidade para que uma pequena área se transforme em proporções gigantescas de florestas em chamas, com impacto profundo em comunidades e populações na área rural do bioma.

Por isso o programa fora batizado de “Emergência Crônica”, como a representar como o fogo se manifesta na Amazônia.

“Semelhante a uma doença crônica, como uma alergia, que porém atinge picos específicos em determinadas fases do ano, tornando-se uma emergência”, classificou Roberto Smeraldi, à época diretor da Amigos da Terra, entidade implementadora das atividades nos municípios e que teve o ICV como parceiro local na região norte de Mato Grosso.

As consequências econômicas, ambientais e de saúde das queimadas são de difícil cálculo.

ENVOLVIMENTO LOCAL

A principal premissa do apelidado “Programa Fogo” foi a necessidade de uma atuação multidisciplinar e multifacetada que fosse além do comando-controle, estratégia realizada pelos órgãos governamentais e que pouco ou nada surtiam na diminuição dos índices de focos de calor.

“Partiu-se do pressuposto que o fogo era aparentemente um problema para todos, mas não exatamente o mesmo problema para todos”, discorreu Roberto no livro sobre projeto.

“Para tanto, era necessário em primeiro lugar caracterizar o que o fogo significava para os demais atores envolvidos, abandonando assim a típica postura “externa” ao contexto regional, que identificava o fogo como um problema apenas porque ameaçava, em alguns casos, as florestas.”

Para isso, a atuação do programa foi baseada em protocolos assinados voluntariamente em uma espécie de coalizão entre órgãos públicos e organizações e representantes da sociedade civil.

O envolvimento era direto de diversos atores de diferentes segmentos da sociedade: econômico, social e institucional.

O projeto inovava ao colocar como central o diálogo com os setores econômicos das atividades que causavam as queimadas e as necessidades das populações da área, as principais atingidas pelas queimadas.

“Foi um passo além do que a gente fazia antes”, classifica Sérgio Guimarães, fundador da instituição e, à época, diretor do ICV. Referia-se aos protestos e manifestações que originaram a organização, abordados anteriormente nessa série especial do ICV 30 anos.

“Tivemos essa diminuição das queimadas através dessa parceria forte com o setor madeireiro, com os próprios pecuaristas”, conta.

Em Alta Floresta, o Protocolo Municipal do Fogo contou com centenas de assinaturas para ações baseadas em monitoramento e controle ambiental, mas também conscientização da sociedade local e, principalmente, alternativas de manejo e uso do solo.

O Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Condema) e a Prefeitura Municipal se comprometeram a instalar uma rede de pluviômetros para captação das informações climáticas e fomentar acordos para estipular um calendário de queima e medidas de prevenção de incêndios.

O Grupo de Trabalho de Prevenção ao Fogo do Condema, do qual integrava também a Secretaria de Agricultura, Corpo de Bombeiros, Ibama, FEMA e Sindicato Patronal, se comprometeu a realizar programa de conscientização, pesquisa e capacitação dos agricultores sobre as problemáticas.

A lista segue.

A universidade estadual, sindicatos como o Sindicato dos Madeireiros do Extremo Norte de Mato Grosso, uma série de organizações concordaram em promover uma série de ações como campanhas de conscientização, capacitações, aprimoramento e difusão de técnicas de manejo e conservação de solo.

PROPOR ALTERNATIVAS

O projeto excedeu as tentativas de conscientização e educação ambiental na proteção às florestas remanescentes dos incêndios florestais. Foi na raiz do problema: as práticas produtivas.

Para atender às demandas dos produtores locais, uma das principais estratégias na região foi incentivar práticas agrícolas que não utilizam o fogo.

Como os sistemas agroflorestais (SAFs), método de produção que utiliza consórcio de culturas e plantio de culturas perenes.

O projeto estabeleceu diálogo com o setor madeireiro e estimulou a criação de uma cooperativa para reunir os pequenos produtores para realizar o manejo sustentável e futuramente obter a certificação florestal, além de buscar viabilizar o aproveitamento de resíduos da serraria que eram normalmente queimados.

“Foi o início para um entendimento, tanto que houve a possibilidade de ter queima controlada. Antes o produtor nunca era ouvido. Ele queria fazer a coisa certa, mas, para cumprir o que os decretos exigiam, acabava queimando em épocas erradas” declarou Dair Deitos, então presidente do Sindicato Rural de Alta Floresta.

O principal resultado veio cedo. Em 2000, mesmo ano em que o ICV inaugurava o escritório de Alta Floresta, o município contabilizou uma redução de 70% no número de focos de calor.

O aeroporto da cidade, que antes fechava pela baixa visibilidade causada pela fumaça no período da seca, voltou a funcionar.

O combate efetivo ao fogo, como salientou Alice, não se inicia junto com ele.

O problema, entretanto, não acabara. Em 2002, os índices voltaram a subir.

Sérgio Guimarães fez uma análise da situação no livro, onde salientava a necessidade de práticas alternativas, acesso a informação sobre a legislação, sobre acesso a crédito e melhorias na fiscalização.

“Fica mais uma vez demonstrado que a maior contribuição para a solução desses problemas virá através de políticas públicas, articuladas com iniciativas da sociedade que atendam a essas necessidades, fortaleçam uma ação regional a partir de ações locais e que consigam demonstrar na prática que a floresta em pé tem um valor econômico maior que a maioria das atividades”, escreveu para a publicação.

No artigo escrito em 2002, classificou como desafio para o ICV se dispor a continuar a participar e ampliar sua ação na região. “Em novos projetos que venham contribuir para que esse aprendizado coletivo possa ser incorporado às políticas públicas e às práticas regionais”, comentou Sérgio.

A expectativa foi atendida.

Anos depois, o ICV teria participação crucial em uma série de ações conjuntas que viabilizaram a retirada do nome de Alta Floresta da lista de municípios que mais desmatam a Amazônia.

Hoje a instituição tem ainda mais ampliada e fortalecida a sua atuação no combate aos incêndios florestais.

Realiza monitoramento e análises técnicas de dados sobre queimadas e desmatamento para os três biomas do estado, enquanto uma série de projetos implementam e melhoram métodos de produção sustentáveis junto a organizações e grupos da agricultura familiar na região norte e noroeste de Mato Grosso.

Fez os dois: alarma aos altos índices, crescentes nos últimos tempos, mas não deixa de encontrar e, principalmente, viabilizar soluções.

Em 2020, realizou uma campanha de conscientização sobre as queimadas na região norte do estado.

Logo após, diante da tragédia no bioma Pantanal, mobilizou esforços para levar ajuda às centenas de comunidades atingidas pelo fogo.

Contemplando o antes, o durante e o depois, as ações do ICV são guiadas pelo diálogo com os envolvidos na problemática e com os principais interessados numa Amazônia com floresta em pé e com qualidade de vida para seus moradores.

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